Quando se pensa em atividade de desenho, o que passa na cabeça é acalmar as crianças e contribuir para a motricidade, uma vez que, no futuro, a aprendizagem motora da escrita pode ser facilitada. Silvana Augusto nos lembra do uso do desenho para marcar ocasiões especiais, decorar festas e celebrações, além das próprias paredes da escola.

Desenho não é nada disso. Na verdade, estes usos e funções são muito limitados quando comparados ao valor da aprendizagem e do cultivo do desenho para o desenvolvimento cognitivo das crianças.

Georges-Henri Luquet, filósofo e linguista francês, que viveu entre 1876 e 1965, publicou, em 1927, obra que apoiou grande parte dos estudos contemporâneos sobre desenho: “O Desenho Infantil”.

Dados colhidos ao longo de décadas permitiram ao pesquisador concluir que o olhar do adulto para o desenho infantil não é superior ao olhar que a própria criança tem sobre sua produção.

O que isto quer dizer?

Que cai por terra a busca do “aperfeiçoamento do desenho” infantil na visão realista do adulto, pois a criança, dentro de suas possibilidades, não busca um resultado bonito e agradável para os outros, e sim representar aquilo que se passa com ela: fatos do mundo que a rodeia e narrativas inventadas. É esse brilhantismo do processo de criação de símbolos gráficos para expressar narrativas que deve ser apreciado pelo adulto.

Ora, se a criança inventa um sistema de símbolos (formas, traços e figuras) para expressar, ela está criando e utilizando um sistema de representação tão complexo, do ponto de vista da cognição, quanto o sistema da língua escrita e o da matemática.

Analice Dutra Pillar, estudiosa de Arte, realizou uma extensa pesquisa para compreender se o desenvolvimento do desenho tem relação com a aprendizagem da escrita, como sistemas que amadurecem paralelamente: como ocorrem ao mesmo tempo, será que há interação entre estas aprendizagens? Se existem correlações, quais são elas?

Ao pesquisar os desenhos de 97 crianças, Analice descobriu que existe “uma associação altamente significativa entre desenho e escrita”, que “[…] os progressos na escrita estão relacionados aos progressos no desenho, apesar de serem sistemas diferentes” e “a construção do sistema de escrita mostrou-se, então, consequente à do sistema do desenho”.

Esta correlação é percebida pelos educadores num senso comum, mas o que Analice deixa claro é que o elo que une ambas aprendizagens não se baseia nas habilidades motoras, e sim na competência de simbolizar, representar.

E isso muda todo o enfoque pedagógico e a consequente prática do professor no planejamento das propostas de desenho.

Segundo Luquet, trabalhar bem o desenho significa promover oportunidades diárias para as crianças desenharem, apoiar, valorizar e conversar sobre suas produções, e ainda dar atenção às narrativas, mesmo que mudem de um momento para o outro e que as formas desenhadas não se pareçam com o real.

Luquet também afirma que, ainda que tenham prazer em apreciar obras abstratas, as crianças buscam ser realistas com seu desenho, dentro de suas perspectivas de mundo. A criança procura desenhar aquilo que percebe, valoriza e sente e não aquilo que vê, que é “real” do ponto de vista do adulo. As crianças não pretendem desenhar uma “fotografia” das coisas, porque olham o mundo com uma câmera instalada no coração. Em resumo, o desenho para a criança é uma linguagem do coração.

[Fonte: Tempo de Creche]

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